Craque no computador, o adolescente classe média não faz nada em casa - nem quer fazer
Um ser de exigências principescas, concentração ultrasseletiva e pouquíssima habilidade prática repousa um berço esplêndido nos lares da classe média brasileira: o filho adolescente. De tanto viver cercada de empregada, motorista, pai que trabalha muito e mãe mais ocupada ainda, a garotada se espanta com atividades que nunca, em algum, requereram grande prática ou habilidade. Apresente-se ao garoto uma manga e uma faca, e ele desiste e pega um chocolate. Coloque-se diante de uma menina agulha e linha, e ela embatucada: como é mesmo que uma encaixa na outra? Isso, sem falar nas tarefas que são chatas mesmo, como cuidar o próprio quarto e enxugar o próprio banheiro. "Não faço nada em casa", assume Daniel Bushatsky, 15 anos, aluno do 1º colegial do Colégio Santa Cruz, em São Paulo. "Acho mais importante estudar e conseguir um bom emprego para poder pagar empregada do que aprender a passar roupa". E mamãe, o que acha disso? "É culpa minha, que nunca tive a iniciativa de ensinar", diz Mônica, 42 anos. "Para dizer a verdade, quando eu casei não sabia nem fazer café".
Daniel tem um irmão gêmeo, André, com certa noção dos mistérios domésticos, que o salva nas emergências. "Se preciso abrir uma lata, chamo o André", diz. Sim, porque, quando se empenha, adolescente é gente que faz. Ninguém desvenda mais rápido um computador, um videogame, uma agenda eletrônica - desde que o objetivo seja seu, ou de seu individualíssimo interesse. No mais, é sombra e Coca-Cola fresca, para aguentar horas vendo televisão e intermináveis conversas ao telefone. E se a fome bate justo na hora em que a empregada saiu e a mãe está no trabalho? A saída costuma ser biscoito, cereal, pipoca (de micro-ondas) ou, no máximo do esforço físico, um sanduíche. Fruta não, que dá trabalho. "Nem levanta do sofá para pegar", relata o paulista Rodrigo Ghattas, 16 anos de muita mordomia. Rodrigo nega que não faça nada - faz sim, "quando precisa". Por exemplo se está na rua e não tem carona para casa, toma a iniciativa e pega um ônibus. A mineira Joana Rodrigues, de 15 anos, é outra que considera que tem função doméstica importantíssima. "Sou a secretária da casa: atendo a todos os telefonemas. Sei que são para mim mesmo", diz expondo o intenso apego ao telefone - esse objeto que funciona quase como uma extensão do ouvido dos adolescentes.
"Nem o passarinho" - "Eu sinto muita preguiça de fazer as coisas", resume a paulista Fernanda Lepore, 15 anos. Muito satisfeita com o que chama de "serviço de primeira" de sua casa, ela vai para a escola de carro, com o padrasto, e a empregada leva as refeições no quarto, veja:
AI, QUE DUREZA!
O longo e folgado dia de Fernanda Lepore, 15 anos, 2º colegial
5:30 - é acordada pelo padrasto
5:40 - toma banho de meia hora
6:10 - gasta vinte minutos se arrumando
6:30 - o padrasto a leva para a escola
7:20 - entra na sala de aula
12:40 - volta para casa de carona com amiga
13:30 - a empregada leva o almoço no quarto
13:45 - dorme
18:00 - acorda e janta no quarto
18:15 - pega o telefone e passa uma hora conversando
19:15 - liga a televisão e só levanta quando o telefone toca
22:30 - ataca a despensa e volta para a televisão
23:30 - dorme
"A maioria dos adolescentes não faz nada em casa mesmo", constata a psicológica do Colégio Santa Maria, de São Paulo. "Eles querem receber tudo pronto, sem mexer uma palha". Ou, como admite o carioca Bruno Caiuby, 17 anos, mestre em fazer sanduíche e deixar tudo - prato, talheres, ingredientes em geral - em cima da mesa para alguém arrumar: "Eu só ajudo a bagunçar". A mãe, Heloísa, releva. "Prefiro fazer tudo em casa e ter preocupação. O mais importante é que ele dê satisfações, ligue quando vai chegar tarde, diga sempre onde está, e nisso ele é muito atencioso. Nos dias de hoje, isso é que vale" diz, repetindo um argumento comum aos pais de adolescentes.
Gênero: Reportagem
VEIGA, Aida. Editora Abril, VEJA, 12/05/99, p. 70 e 71.
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