Querer escapar do batente doméstico, eles sempre quiseram. Não é de hoje que adolescente reclama como jogador pego em falta no campo cada vez que é chamado a pôr a mesa do jantar. A diferença é que atualmente, sem a mãe por perto para exigir e com empregados frequentemente à mão, serviço doméstico é coisa expurgada do currículo da garotada [...] A educadora paulista Rosemeire Cameron concorda. "Com 12, 13 anos, eu tinha tarefas semanais, como lustrar o piano e cuidar do cachorro"", suspira Rosemeire, 40 anos, mãe de Pedro Henrique, 14, Carolina,13, e Rafael, 7. "Meus filhos não cuidam nem do passarinho". Carolina, a única menina reclama se é convocada a ajudar com a louça nos fins de semana, ocasião em que a empregada está de folga. "Nunca me ofereço para essas atividades domésticas", diz. "Só faço quando me obrigam". Ou seja: raramente, porque, diferentemente de sua própria mãe, Rosemeire prefere nem pedir para evitar desgaste. "Já negocio tantos problemas com eles. Não quero ter mais um", alega. "Sei que é comodismo, e claro que me cansa mas acabo fazendo tudo sozinha".
Reclama, mas faz - A grande desculpa dos adolescentes para sua inutilidade doméstica é o excesso de atividades no dia a dia. Às vezes, ele é ocupado mesmo, como é o caso da ex-chiquitita e hoje atriz global Fernanda Souza, 14 anos, que não põe a mãozinha para arrumar o quarto. "Trabalho tanto, que quando tenho uma folguinha, durmo", confessa. Já Nina Moreira Vieira, 15 anos, única filha da atriz Angela Vieira, esgotada as energias estudando e jogando vôlei. A mãe, conformada, só interfere a partir do momento que a bagunça ultrapassa a porta do quarto. "Ai não dá - isso me deixa fora do prumo", rebela-se Angela. Mas, afinal, é melhor brigar ou aceitar que o quarto é dela e fica como ela bem entender? "O quarto é o espaço deles, onde têm o direito de fazer oque quiserem. Mas claro que, quando a bagunça extrapola os limites, é preciso impor ordem", recomenda a socióloga e psicóloga carioca Sonia Ribeiro. A regra geral é que pais indulgentes terão rebentos folgados e, depois de tortos, não adianta querer endireitar os pepininhos. "Se os pais não ensinam os filhos a, desde cedo, arrumar os brinquedos e lavar o copo, mais tarde vão ter dificuldade para impor essas tarefas", afirma a psicopedagoga Marília Coppoli Dias, orientadora educacional do Centro Educacional da Lagoa, no Rio de Janeiro. Orgulhosíssimo de seu feito, o roqueiro Pepeu Gomes, separado há onze anos da cantora Baby Brasil, ex-Consuelo, com quem tem seis filhos, não deixa que dois ainda adolescentes (Krishna Baby, 15 anos, e Kryptus Rá, 14) se comportem no seu apartamento como fazem na casa da mãe. "Lá, eles bagunçam a vontade. Na minha, têm de fazer a cama e ainda ajudar a cozinhar", garante. O segredo, segundo ele, é o exemplo. "São adolescentes como todos os outros: folgados, que não gostam de fazer nada. Mas, como sou um sujeito muito organizado, exijo que me respeitem".
As mordomias da classe média brasileira, ancoradas na fartura de mão-de-obra domésticas ainda barata, adubam o terreno onde viceja a preguiça juvenil. "Não é por acaso que os adolescentes americanos e europeus têm um comportamento diferente", analisa Sonia. por diferente, entenda-se: eles também não gostam e reclamam, mas fazem. "Em países onde não existe empregada para cuidar da casa, todo mundo participa desde sempre e sabe que é importante". O paulista Rafael Bitancourt Craveiro de Sá, 16 anos, foi para os Estados Unidos recém-nascido e voltou com 9 anos. Aos 6, já fazia a cama e limpava o jardim. Atualmente, adianta o jantar enquanto os pais não chegam do trabalho, troca os botões das próprias roupas e, para escândalo dos amigos, preferiria não ter empregada. "Eles nem imaginam como é bom não precisar de ninguém", diz Rafael.
Esperar passar - Não é só dentro de seus domínios que o jovem brasileiro é folgado. Uma pesquisa com adolescentes de seis capitais feita pela CPM, empresa de consultoria de São Paulo, mostrou que, em cada três, só um é capaz de fazer as compras no supermercado. Assim mesmo, com restrições. "Eu até vou à padaria ou ao mercado comprar coisas para mim. Mas para casa, não", explica o carioca Thiago Almeida de Queiroz, 16 anos. Tudo a ver com o adolescente típico [...] Aos pais que não querem travar uma batalha hercúlea contra seus enfants gâtés, o que resta fazer? [...] para quem não suporta bagunça, é pegar roupa no chão, enxugar a pia, guardar as coisas na geladeira, tampar a pasta de dentes. Como consolo, a expectativa de que um dia, já adultos e chatos, eles também serão pais de adolescentes. Aí...
OS TALENTOS E AS INAPTIDÕES DO JOVEM BEM DE VIDA
Ele sabe:
•preparar sanduíche, ovo mexido e macarrão instantâneo
•atender ao telefone
•arranjar carona para sair a passei
•arrumar a mochila
•fazer a cama, se obrigado
•instalar aparelhos eletrônicos (só os seus)
•instalar programas no computador (só os que lhe interessam)
Ele não sabe:
•arranjar carona a escola e o curso de inglês
•descascar fruta
•abrir lata
•enxugar o banheiro depois do banho
•colocar a roupa suja para lavar
•pendurar as roupas
•arrumar a mesa do jantar
•pôr a tampa na pasta de dentes
Gênero: Reportagem
VEIGA, Aida. Editora Abril, VEJA, 12/05/99, p. 72 e 73.
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